O Brasil não é tão corrupto quanto se pensa. É o que mostram
os dados da última pesquisa do Barômetro Global da Corrupção (BGC),
realizada pela ONG Transparência Internacional. Essa pesquisa mostra que apenas
11% dos brasileiros pagaram propina nos últimos 12 meses, fazendo o Brasil o
país menos corrupto na América Latina e Caribe com exceção de Trinidad e
Tobago.
A pesquisa também mostra que, apesar da percepção
ser alta sobre o quão corruptas são as instituições, essa percepção não está
entre as maiores. Com efeito, somente 11 países têm uma percepção mais baixa de
corrupção que a brasileira na América Latina.
O senso comum sobre a corrupção afirma que seríamos
um país onde a corrupção seria particularmente grande. Alguns enxergam a origem
da corrupção brasileira no "jeitinho", na Lei de Gerson,
na malandragem ou até no descobrimento, quando os portugueses corromperam os
índios com espelhinhos e bugigangas em troca das riquezas naturais. Assim, o
Brasil, além de ser o país do futuro, seria o país da corrupção.
Mas não é essa a realidade. Pelo menos, não para o
cotidiano.
Os dados da BGC diferenciam entre petty corruption (pequena
corrupção) e grand corruption (grande corrupção). A pequena
corrupção é aquela que acontece entre funcionários públicos de pequeno e médio
escalão e os cidadãos comuns visando ao acesso a bens ou serviços básicos de
hospitais, escolas, polícia etc. A grande corrupção é aquela que ocorre por
meio do abuso de poder efetuado pelos altos escalões políticos e burocráticos,
o que beneficia poucos à custa de muitos.
A pesquisa do BGC revela, nesse sentido, que a
primeira é pouco presente no Brasil. Consequentemente, se a corrupção fosse um
problema cultural, nós a encontraríamos generalizada nas práticas cotidianas, ou
seja, teríamos uma alta incidência da chamada pequena corrupção. Mas isso não
ocorre.
E estes dados são confirmados por uma série de
outras pesquisas. O Proyecto de Opinión Pública de
América Latina
(LAPOP) de 2014 mostra que o Brasil é o 9° pais menos
corrupto entre 25 países, sendo que os outros oitos são países como Canadá,
Chile, Uruguai, EUA e Trinidad e Tobago. Os relatórios do Banco Mundial sobre Controle
de Corrupção ressaltam sempre que a América Latina é
o 3° melhor continente depois da América do Norte e da Europa. Talvez as
pessoas se comparem sempre a estes dois continentes só.
Esses e outros dados também apontam que, talvez, a
corrupção não seja a principal causa para os males sociais e econômicos
brasileiros, como faz crer esse senso comum sobre corrupção no Brasil. Segundo a FIESP, segundo o
relatório Brazil
- Investment and Business Guide e segundo as revistas Latin Trade e Forbes, o
impacto da corrupção na economia brasileira varia entre R$ 41,5 e R$ 69,1 bilhões
por ano; ou seja, entre 1,38% e 2,3% do PIB (esses dados se referem a 2010).
Para efeitos comparativos, apenas os repasses do Tesouro para o BNDES — operação essa
que utiliza o dinheiro
de impostos dos brasileiros para privilegiar os
empresários favoritos do governo, redistribuindo
recursos de forma regressiva (dos pobres para
os ricos) —
chegam a 9% do
PIB. E são perfeitamente legais.
Portanto, com base nesse contraste entre pesquisas
científicas, dados empíricos e o senso comum, nosso pensamento sobre corrupção
não parece orientado pela experiência concreta, mas sim por uma retórica
descolada da realidade.
Corrupção é a consequência natural de um país que
possui instituições ruins para o desenvolvimento econômico. Em um país que cria
dificuldades para vender facilidade, a corrupção é a saída mais fácil tanto para
a sobrevivência quanto para o enriquecimento. No entanto, por motivos óbvios,
ela é muito mais acessível aos ricos — que podem pagar as propinas exigidas —
do que aos pobres, que não têm essa capacidade.
Por isso, e curiosamente, a notória desigualdade
social brasileira se reflete até mesmo na questão da corrupção: as
"facilidades" que a corrupção proporciona em um contexto institucional ruim se
tornaram um privilégio para os mais ricos (privilégio legal, via BNDES, e
ilegal, via conchavos entre políticos e grandes empresas ligadas o regime),
enquanto os mais pobres se veem impedidos de ascensão social e econômica por
não poderem pagar pelas facilidades da corrupção.
Um sistema que distribui privilégios legais para
poucos (vide BNDES) também distribui privilégios ilegais para esses mesmos poucos (via subornos, propinas e
contribuições de campanha).
Ironicamente, no Brasil, a corrupção é um privilégio
para poucos.